Elias de Lemos (Correio9)
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, tomou posse em janeiro de 2015 para o seu terceiro mandato no cargo. O Estado vinha de um período de quatro anos de certa estabilidade de investimento e crescimento – sob o comando do ex-governador Renato Casagrande. Porém, as expectativas criadas durante a campanha eleitoral de 2014, não se confirmaram, integralmente, no governo. Hoje, a pouco mais de um ano das eleições estaduais, as possibilidades começam a se traçar. Hartung poderá buscar o quarto mandato, mas parece que a rigidez dos gastos do seu governo vai persegui-lo no debate eleitoral.
A política de gastos do governo Paulo Hartung pode ser explicada a partir de três princípios. O primeiro é o de que as crises econômicas não surgem do acaso, elas, normalmente, resultam de decisões erradas. O segundo diz respeito à maneira como os fatos, que desencadearam a crise, se ligam e como se desenrolaram. E, por fim, o terceiro se refere ao contexto ou ao ambiente em que se vive a crise.
O primeiro baque nas contas do Governo do Estado aconteceu em 2012, com a extinção do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias, Fundap. O fim do Fundap interrompeu o ciclo de investimentos que alimentava o fôlego do governo Casagrande. Com isso, a segunda metade daquela gestão foi marcada pela redução dos investimentos, o que viria a influenciar o resultado das eleições de 2014.
Naquele momento, o eleitor se viu diante de duas boas possibilidades: de um lado poderia dar continuidade ao que, se não era bom, pelo menos não era ruim; e, por outro lado, havia a possibilidade de reativar um governo bem sucedido e dinâmico, como foram os dois mandatos anteriores de Paulo Hartung. A opção é conhecida e, desta vez, o governo Hartung não tem conseguido a mesma popularidade.
É importante observar os cenários de cada governo e quais são as diretrizes que condicionam e orientam a política de gastos governamentais. Neste sentido, quando assumiu o governo em 2015, Paulo Hartung iniciou a nova gestão em um cenário completamente diferente daquele em que governara entre 2003 e 2010. Aquele foi um período de pujança, quando a economia nacional cresceu em média 4% ao ano, com pico de 7,6% em 2010. Lá, a arrecadação de impostos batia recorde e o governo federal não falava em ajuste fiscal.
Porém, o terceiro mandato começou, e se desenrola, no contexto da crise brasileira que se iniciou em 2015 levando o país à recessão. A crise derrubou a arrecadação federal e dos estados. O governo federal passou a projetar déficits cada vez maiores com poucas chances de arrefecimento, enquanto muitos estados foram perdendo a capacidade de provisão dos serviços básicos.
Ao contrário de outros estados, que perderam o controle das suas finanças, o Espírito Santo iniciou a contenção de gastos e o corte de investimentos. O programa de ajuste fiscal capixaba envolveu medidas rigorosas: cortes de cargos comissionados, suspensão de reajustes salariais e revisão de benefícios tributários. Além, disso, o governo estadual direcionou as receitas de royalties do petróleo a investimentos e não ao pagamento de despesas correntes, como vinha acontecendo.
Enquanto isso, outros estados continuaram aumentando os gastos com as folhas de pagamento e atendendo às demandas por reajustes salariais de algumas categorias. Ao mesmo tempo o Espírito Santo manteve a conduta de rigidez. Para se ter uma ideia, poucos estados atendem ao limite de 49% da Receita Corrente Líquida para gastos com pessoal, já no Espírito Santo esse número está em 44,1%.
O Espírito Santo não cedeu às pressões por aumentos. Outros entes da federação resolveram o problema dando reajustes salariais. Mas, para isso, muitos fizeram engenharias financeiras. Entre eles o Rio de Janeiro, onde o governo fez manobras contábeis para atender à LRF: retirou despesas com inativos e pensionistas do cálculo de gastos com pessoal. O governo capixaba, no entanto, não seguiu essa estratégia. Isso levou o estado a ser ainda mais duro nas negociações salariais, a fim de não extrapolar os limites da Lei. No Espírito Santo, os gastos com a folha subiram 3% – saindo de R$ 6,3 bilhões para R$ 6,5 bilhões, entre 2014 e 2015. Já no Rio de Janeiro, essas despesas saltaram 29%, de R$ 24,5 bilhões para R$ 31,7 bilhões, no mesmo período.
Agora, o governo fluminense perdeu a capacidade de sustentação financeira, vem atrasando e parcelando – há mais de um ano – o pagamento do salário dos servidores e ainda não pagou o 13º salário de 2016. Lá, o governador, Luiz Fernando Pezão, tem declarado, publicamente, que não possui um plano para tirar o estado da crise, e para completar, a última empresa controlada pelo Estado, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos, Cedae, foi dada como garantia de um empréstimo no início deste ano.
Enquanto a falta de reajuste é o que descontenta o funcionalismo capixaba, aposentados e pensionistas do Governo do Rio estão indo parar em asilos por falta de pagamento.
A situação do Rio de Janeiro é, de longe, a mais grave, mas não é a única. Antes disso, o Rio Grande Sul foi o primeiro a parcelar os pagamentos de salários. Atualmente são oito estados e o Distrito Federal com salários atrasados, mas a rigor, 22 estados estão em dificuldades financeiras.
O Espírito Santo adotou a prática da não concessão de reajustes, mas mantém os pagamentos em dia, enquanto os demais concederam salários maiores, mas não pagam. Assim, o estado se tornou um exemplo de gestão pública, cuja receita está sendo propagada nos quatro cantos do país, mas a política de arrocho tem gerado descontentamento e conflitos internos.
Em 2015 o estado teve superávit de R$ 137 milhões e em 2016 foram R$ 323 milhões. Isto significa que ao optar pela inflexibilidade dos gastos, o governo capixaba conseguiu manter as contas em dia e, o mais importante, sem a geração de novas dívidas, como vem acontecendo pelo país afora.
A crise fiscal do Estado não é de responsabilidade do governador capixaba, mas da política econômica que começou no governo de Dilma Rousseff e vem se agravando com a política econômica do governo de Michel Temer, uma política que contraria todos os manuais de economia, que não tem como objetivo a superação da crise, mas o uso da crise para a reformulação do papel do Estado em atendimento a interesses grupais.
A falência do Rio de Janeiro é uma escala microscópica do desarranjo financeiro do governo brasileiro. Por que o governo federal ainda não socorreu o Rio? Por que ele também está à beira da falência, sem capacidade de pagamento dos juros da dívida pública, que asfixiam o orçamento federal.
Não se pode negar que políticas de reduções de gastos exigem sacrifícios e provocam descontentamento. Se o governo capixaba lançou mão de um “mal”, foi para evitar um mal maior.
Afinal, o que estaria acontecendo se o Espírito Santo tivesse seguido o caminho dos demais? Estaria conseguindo pagar as contas? E se fosse você, no lugar de Hartung? Sabendo da crise nacional e tendo os números das finanças capixabas em mãos, como você governaria? E se fosse você, no lugar de Hartung?
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