Elias de Lemos (Correio9)
A urna eletrônica vem sendo usada há 25 anos no Brasil. O equipamento foi testado em 1996 e, desde então, as eleições brasileiras se tornaram a maior votação informatizada do mundo. Sua adoção era um sonho antigo que visava garantir a segurança das disputas eleitorais.
No primeiro teste foram usadas 70 mil urnas eletrônicas em 57 cidades, quando 32 milhões de eleitores votaram eletronicamente pela primeira vez. De lá para cá, o processo só foi se aprimorando e em nenhum momento houve qualquer desconfiança quanto à segurança do equipamento.
No entanto, em 2015, o então deputado federal Jair Bolsonaro apresentou uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para emissão de “recibos” dos votos eletrônicos. A justificativa seria para permitir a recontagem manual dos votos. Foi sua primeira proposta aprovada em 25 anos como parlamentar.
Mas, na pré-campanha eleitoral para a Presidência da República em 2018, Jair Bolsonaro ampliou sua ofensiva contra as urnas eletrônicas. Sem nenhuma prova, ele alega que as eleições têm sido fraudadas, afirma que Aécio Neves venceu a eleição de 2014 e que ele teria vencido a eleição no primeiro turno em 2018.
Porém, Jair Bolsonaro foi eleito seis vezes pelo voto eletrônico. Sua crença de suposta fraude em 2018 foge a racionalidade. Se a eleição foi fraudada para ele não vencer no primeiro turno, por que venceu no segundo? Quem faria isso, e por quê?
Além disso, seu filho Carlos (o 02) venceu as seis eleições que disputou; Flávio (o 01) concorreu a seis e venceu cinco, enquanto Eduardo (o 03) ganhou as duas disputadas, todas com voto eletrônico.
Diante da insistência do presidente em atacar e procurar desacreditar o sistema eleitoral, o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Felipe Salomão, determinou que ele apresentasse as provas em um prazo de 15 dias. Ao ser informado, ele disse que não tem que apresentar provas “para ninguém” e que apresenta “se quiser”.
Depois, Bolsonaro resolveu apresentar as ‘provas’, em sua live semanal; a noite desta quinta-feira (29) foi o dia escolhido. No entanto, após três anos denunciando supostas fraudes nas eleições, em seu longo discurso de duas horas na live ficou constatado que ele não possui provas nenhuma, apenas indícios e teorias já desmentidas anteriormente.
Levantamento do site Aos Fatos indicou que o presidente faz, pelo menos, 3,2 declarações falsas por dia. Até o dia 16 de junho de 2021 ele mentiu 3.151 vezes. O presidente não se constrange em mentir ou afirmar coisas sem base, só porque ele quer que seja do jeito que ele acha que deve ser; por mais absurdo que seja.
O presidente sempre negou a pandemia, defende o uso de medicamentos sem comprovação científica e nega até a quantidade de mortos pela Covid-19, que já passa de 553 mil pessoas.
Nada constrange o presidente, nem mentira nem ofensas a outras pessoas. Mas, tudo o irrita. E muito! Se ele não concorda com algo, ele mente. Se for questionado, ele ofende. Seus apoiadores aplaudem e reverberam como se o presidente fosse a imagem da verdade.
Quando passou mal, decorrente de uma obstrução intestinal no dia 14 de junho, o jornalista apoiador Rodrigo Constantino disse – do nada – que desconfiava de que Bolsonaro possa ter sido envenenado pelo que chamou de “defensores de Cuba”.
Mas, voltamos à questão do voto impresso, que parece um retrocesso no processo eleitoral, mas que na prática tem uma finalidade estratégica para Bolsonaro.
Ele lutou o quanto pode para evitar a CPI da Covid e perdeu a batalha. Com a CPI escancarando a sujeira nas entranhas do governo, o presidente vê derreter sua imagem de governo honesto.
Uma pesquisa do Instituto PoderData, divulgada no dia 21 de julho de 2021, indicou que 56% avaliam o presidente como ruim ou péssimo, um aumento de 1 ponto em comparação há duas semanas anteriores. Para outros 26%, o desempenho de Bolsonaro é bom ou ótimo e 15% o avaliam como regular.
De acordo com uma pesquisa do Instituto Datafolha, 70% dos brasileiros acreditam que há corrupção no governo Bolsonaro; enquanto 63% acreditam que há corrupção do Ministério da Saúde. Inicialmente, o presidente negou qualquer irregularidade, mas depois, contrariando todas as suas declarações anteriores, admitiu que pode acontecer corrupção no governo. Para completar, para maioria da população, 64% dos entrevistados, Bolsonaro sabia da maracutaia na compra de vacinas.
No horizonte está a eleição de 2022. O presidente está obcecado pela reeleição, e sua ânsia pelo segundo mandato o impede de destravar os problemas do primeiro governo.
Para ser reconduzido ao cargo, Bolsonaro depende de três apostas: no fim da pandemia; no crescimento da economia e na criação de um programa social para chamar de seu. No entanto, sua ação no combate à pandemia foi negligenciada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não tem um projeto econômico e não há orçamento para programa social, cuja criação depende do aumento da arrecadação, que, por sua vez, está condicionada ao crescimento econômico.
Enquanto o presidente mantém sua esperança de reeleição, o número oficial de desempregados atingiu 14,7 milhões de pessoas em julho, 3,3 milhões perderam seus empregos após a pandemia. Já o trabalho informal soma 34,2 milhões de ocupados.
Desde o início do Governo Bolsonaro vem ocorrendo uma mobilidade social negativa no Brasil: a classe B virou C, que virou D, que virou E. Oficialmente, 27 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. É gente que passa fome, são pessoas que enfrentam filas em busca de um pedaço de osso na porta de açougue.
Mas, Bolsonaro não abre mão de continuar e quer isso a qualquer custo. E além do fracasso retumbante de seu governo, no outro extremo está o ex-presidente Lula, liderando todas as pesquisas de intenções de votos.
O futuro de Bolsonaro se complica, ainda mais quando observados os números do levantamento do Instituto Inteligência em Pesquisa Consultoria (Ipec) que revelou que o presidente perdeu um quarto de seus eleitores. 25% dos que votaram nele em 2018 declararam que, com certeza, votarão em Lula. Outros 13% admitem a possibilidade de migrar o voto para o petista.
Vivendo no mundo de seus apoiadores, desconectado da realidade da maioria dos brasileiros, Bolsonaro sabe do alto risco de perder as eleições e por isso precisa desacreditar o processo eleitoral para fraudar as eleições e permanecer no poder.
À moda Donald Trump, ele vai tumultuar, insuflar seus apoiadores e arrastar a sociedade para o embate civil. As eleições do ano que vem serão as mais tensas da nossa história e Bolsonaro pavimenta o caminho para uma guerra civil.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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