Elias de Lemos (Correio9)
Estamos vivenciando o ativismo político mais impactante dos últimos 20 anos. O ponto de partida desta militância está relacionado à descoberta da Lava Jato, passando pela deposição da presidenta Dilma Rousseff, pela condenação e prisão do ex-presidente Lula, depois a impugnação da sua candidatura e, por fim, desembocando no segundo turno das eleições. É um engajamento justo e legítimo. Mas, está exacerbado.
Como entender uma sociedade em que grande parcela da população pede a perda de direitos trabalhistas e sociais? Como entender pessoas pedindo a volta do regime militar e a perda da liberdade de expressão? Como conceber que em pleno século XXI existam pessoas que se declaram cristãs e que defendem a matança, a tortura e o extermínio de seus semelhantes?
Na prática, o processo de redemocratização do Brasil pós-ditadura militar, foi incompleto. Ele, apenas, começou, mas, foi interrompido, pelas ideologias neoliberais, que se limitaram à criação de uma democracia formal restrita ao texto constitucional, sem a sua efetivação no plano das cidadanias política e social.
A inserção do neoliberalismo no Brasil, na primeira metade da década de 1990, solapou, do debate nacional, reformas estruturais como a agrária, tributária, urbana, entre outras, como as questões relacionadas às chamadas minorias, à violência e à segurança pública.
A derrota eleitoral das forças neoliberais na década seguinte não foi suficiente para a retomada de uma agenda pautada em reformas estruturais de cunho democrático e popular. Isto aconteceu pelo fato de que estas mudanças só vão ocorrer através de mobilizações de massa.
Com as seguidas descobertas de corrupção, a prisão do ex-presidente e a transferência de toda a culpa para o PT, a sociedade brasileira caminhou para um dilema. Por um lado, as seguidas derrotas eleitorais que impediram as forças neoliberais de imporem sua agenda clássica dos anos 1990 levaram a uma movimentação alternativa para, gradativamente, incidir sobre o governo Dilma e, por consequência, destruir o ex-presidente a qualquer custo.
Por outro lado, as vitórias eleitorais para as quais as forças populares contribuíram, também não possibilitaram as mudanças estruturais. Este é o dilema. A alternativa construída, nos últimos anos, adotou uma programação que contemplava tanto a elite quanto as forças populares. Porém, as reformas estruturais continuaram fora da agenda política brasileira.
A sociedade brasileira viveu períodos de bonança na década de 2000. No entanto, a fartura começou a minguar na segunda metade do governo de Dilma Rousseff. Desde lá, começou o desmantelamento das forças sociais.
Neste movimento, foi privatizada inclusive a arte. A prioridade da cultura não era mais enriquecer mentes, mas enriquecer negócios privados. Concomitantemente, aparecem as famigeradas “tribos”, subculturas fortemente atreladas a movimentos musicais (hip hop, new wave, pop, disco) que arrebataram a juventude.
Os jovens de hoje cresceram em tempos de abundância conquistados pelas gerações anteriores: a prosperidade econômica, o acesso a bens e serviços e à informação que as gerações anteriores não puderam ter.
Para além da abundância material e acesso à informação, foi uma geração que cresceu vivendo os frutos das lutas sociais das gerações anteriores. E isso abriu espaço para que a busca não fosse mais pelo coletivo, mas para si. Por terem vivido um período próspero, desenvolveram uma consciência social mais abstrata sem a valorização do coletivo.
Segundo o DataFolha, entre os eleitores do deputado federal com acesso à internet, 87% têm conta no Facebook, e 40% deles dizem compartilhar noticiário político-eleitoral na plataforma; 93% têm conta no WhatsApp, e 43% declaram disseminar o conteúdo.
Também segundo o DataFolha, 60% dos eleitores de Bolsonaro têm entre 16 e 34 anos. Desses, 30% têm menos de 24 anos. Justamente os mais novos são os que estão entrando pela primeira vez no debate sobre política.
Muitos estão ingressando neste debate, ancorados em falas cheias de desinformação e preconceitos, extremamente perigosas para uma democracia.
A sociedade brasileira vive, em função da crise econômica e política, um momento de inversão de expectativas, e nesse momento, Bolsonaro parece encarnar a figura que ele chama de “pai maior”, que seria como “um outro capaz de resolver os problemas por mim”.
Para entender como está sendo enganado, é preciso que o eleitor não seja infantilizado, e consiga compreender que não está fora do mundo, olhando os problemas de cima, mas é alguém que está nele e de uma maneira ou de outra influi para que as coisas estejam como estão. Isto, na psicanálise, é explicado pelo caso clássico de como os indivíduos saem da minoridade e vão para a maioridade.
* O autor é economista,
professor, jornalista e
editor-chefe do
Jornal Correio9
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