Elias de Lemos (Correio9)
O título deste artigo é uma adaptação de um provérbio chinês para discorrer sobre as reações de algumas pessoas diante do anúncio do decreto de novas medidas restritivas para conter o avanço da Covid-19 no Espírito Santo.
Na última terça-feira, 16, o governador capixaba, Renato Casagrande (PSB), anunciou as novas medidas restritivas para conter o avanço acelerado da transmissão do novo coronavírus. As regras foram discutidas entre os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, mais o Ministério Público Estadual, Fecomércio entre outras entidades.
As medidas preveem, apenas, o funcionamento de atividades essenciais, como serviços de saúde, supermercados, transporte coletivo, entre outros. Entre as atividades proibidas está boa parte do comércio, e é este o principal ponto de discussão sobre o decreto.
Na apresentação do decreto, o governador explicou que foi uma decisão difícil, mas que precisou ser tomada para evitar maior sobrecarga do sistema de saúde que já está assoberbado. Na rede pública estadual, a taxa de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) atingiu 91%, e é de 100% nos hospitais filantrópicos.
Até esta sexta-feira, 6.888 pessoas morreram de Covid no Estado, que ainda tem 355.482 casos confirmados, que, como em todo o Brasil, não param de subir.
Mas, como se sabe, o problema não é exclusivamente capixaba. A taxa de ocupação de leitos de UTI ultrapassa 80% em 23 estados brasileiros e no Distrito Federal (DF), ao mesmo tempo em que 12 unidades da federação convivem com o colapso nos sistemas de internação por atingirem mais de 90% de ocupação – taxa que inviabiliza a rotatividade de leitos entre pacientes.
Um levantamento feito pela CNN Brasil junto às secretarias de Saúde, constatou que, apenas Amazonas com 79,7% de ocupação, Roraima, 72% e Rio de Janeiro com 76,5%, ainda conseguem manter os tratamentos em UTI.
O estado de São Paulo chegou à marca de 90% de ocupação nos leitos para Covid-19. O índice inclui hospitais públicos e particulares. Na Grande São Paulo, a taxa média é ainda maior, com 90,6% na terça-feira (16). Só este mês, 88 pessoas morreram na fila à espera de um leito.
O colapso do sistema de saúde é generalizado. A situação é a mesma em Santa Catarina, onde 380 pessoas esperam por um leito de UTI. Em Belo Horizonte o índice de ocupação na rede pública é de 93,4%, enquanto na rede privada já chegou a 98%.
No dia 16 de fevereiro, o País registrou 1.090 mortes pela Covid-19 em 24 horas, chegando – naquela data – ao total de 240.983 óbitos desde o começo da pandemia. Um mês depois, no dia 16 de março, foram 2.798 mortes em 24 horas, e 282.400 desde o início da pandemia. Portanto, 41.417 mortos a mais. Para se ter uma ideia do que isso significa, dados apontam que houve 43.892 assassinatos em 2020. Durante 2019, 31.307 pessoas morreram por acidentes de trânsito.
Mas, mesmo diante de números alarmantes de mortes e do caos que se alastra pelo Brasil, com falta de leitos de UTI, o presidente da República continua negando a realidade e essa negação tem influência decisiva na opinião de seus apoiadores.
Desde o início da pandemia, o presidente se posicionou contra as medidas restritivas tomadas pelos estados, sendo amplamente aplaudido por seus apoiadores. Enquanto isso, o número de mortes cresce a cada minuto.
Mas, mesmo a aproximação de 300 mil mortes parece não sensibilizar os negacionistas que insistem em quebrar regras como o uso de máscaras e o isolamento social. Aliás, as aglomerações em bares, praças e ruas e as festas – que rolam soltas – são as principais causas da imposição da quarentena.
A postura ideológica – que tem levado viés político a todas as discussões – não só tem atrapalhado o controle da pandemia, mas tem sido, também, a principal causa de relaxamento das medidas preventivas.
Os comerciantes têm suas razões para serem contrários. Desde o início da pandemia, o comércio veneciano tem tomado todas as medidas de prevenção. No entanto, a população em geral não tem contribuído. As ruas ficam superlotadas, as pessoas não mantém o distanciamento nas filas, andam sem máscara pelas ruas e muita gente usa a máscara no queixo.
Os bares são os grandes focos de aglomerações, principalmente nos fins de semana. Com as novas medidas, todo o comércio não essencial está proibido de abrir, incluindo os bares. Porém, a categoria permanece atendendo por meio de entregas em domicílio. Mas, isso não acontece com as lojas, por exemplo, de roupas nem academias.
De alguma maneira, a quarentena imposta no Espírito Santo afeta a vida de todos. No entanto, a medida visa um mal maior no futuro. No presente, comerciantes, comerciários e donos de academia estão sendo as categorias mais penalizadas. Catorze dias de fechamento do comércio representa impactos financeiros de difícil reparação.
Os lojistas estão gritando porque estão pagando pela irresponsabilidade do convívio social, de pessoas que desdenham do perigo e não ficam em casa.
Por outro lado, existem os negacionistas, que não acreditam na pandemia, nem nos números: eles falam que não é verdade. E isso só atrapalha e posterga a solução do problema. O momento é de propor soluções, não de negação da realidade.
Para os negacionistas, criticar a postura do presidente da República é ser “contra o País”, é “coisa de esquerdista”. Mas, o vírus não tem perguntado sobre a posição política de ninguém. Eles poderiam contribuir, e reconhecessem que criticar o presidente é pedi-lo para fazer o que deve ser feito.
Diante do colapso nos hospitais, inacreditavelmente surgiram, nas redes sociais, questionamentos do porquê o governo capixaba ter cedido leitos para pacientes de outros estados no mês passado.
A resposta é simples: porque nossa organização político-administrativa é dividida em estados, mas, todos formam o Brasil e somos uma nação. Um só povo. Somos solidários e temos empatia. O acolhimento aos manauaras foi uma atitude de quem se põe no lugar do outro e que sabe que a doença não escolhe vítima e, portanto, qualquer um pode cair nessa situação.
Aos negacionistas, vale dizer que a mais recente pesquisa do Datafolha revela que a estratégia do presidente, de botar a culpa em alguém, não está funcionando. Assim como o número de mortos, a rejeição de Bolsonaro também bate recorde.
Para 54% dos brasileiros, o desempenho do presidente na crise da saúde é ruim ou péssimo. Na opinião de 43%, Bolsonaro é o maior culpado pelo avanço da Covid. É bem menor a taxa dos que atribuem a culpa aos governadores (17%) e aos prefeitos (9%).
O bom senso recomendaria uma correção de rumo. Mas Bolsonaro, além de seguir no rumo errado, despreza os inúmeros retornos que a conjuntura vai colocando na estrada. Ele e seus apoiadores se irritam com a constatação de que sobra cloroquina na primeira e faltam vacinas na segunda.
Não é sobre só focar nos acontecimentos negativos; não é partidarismo, tampouco sensacionalismo. É a realidade. O País está um caos e não dá para fingir que está tudo bem. Pelo contrário, pode piorar muito!
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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