Elias de Lemos (Correio9)
Genivaldo de Jesus Santos era um homem negro de 38 anos, que possuía problemas mentais. Ele morava na cidade de Umbaúba, no Estado de Sergipe. Ele trafegava em sua bicicleta na BR 101quando foi abordado por policiais rodoviários federais. Sua história acabou ali, de forma covarde e desumana! Chocante!
Genivaldo foi jogado dentro do porta-malas da viatura e, em seguida, nos moldes da Gestapo, a polícia da Alemanha nazista, os policiais acionaram uma bomba de gás e fecharam a porta assassinando o negro indefeso.
É chocante como os agentes que se “inspiraram” na Gestapo não se preocuparam com o local onde estavam, nem horário, tampouco com as câmeras que documentavam o crime: em plena luz do dia diante de muitas pessoas que os imploravam para pararem com a tortura; provavelmente acreditando estarem amparados pelo malfadado excludente de ilicitude, tanto defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.
O Instituto Médico Legal (IML) apontou que ele morreu de insuficiência respiratória após asfixia.
Despudoradamente, a Polícia Rodoviária Federal afirmou que foram empregados “instrumentos de menor potencial ofensivo”. Não é possível imaginar o que teria ocorrido se fossem usados instrumentos de maior potencial ofensivo.
Um dia antes, bem longe de lá, há 1.725,4 quilômetros de distância, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) se uniu às polícias cariocas em uma operação que resultou na morte de 24 pessoas, entre elas, uma mulher inocente, de 41 anos. Foram aplaudidos pelo Messias (o Jair).
A PRF realiza um trabalho extraordinário no combate ao trabalho escravo e aos tráficos de drogas e armas. No entanto, precisou de apenas dois dias para se mergulhar na lama, manchando a imagem de uma instituição que é tão importante. No Rio, participou de uma das maiores chacinas da história do Estado. Em Sergipe, transformou uma viatura em uma câmara de gás e assassinou cruelmente um homem.
Alguns vão justificar que não são dadas ordens para matar negros, mas, a verdade é que o nosso racismo estrutural está intrínseco na polícia, a instituição mais racista que existe. Para a polícia, todo negro, se não é bandido, é suspeito. Choca saber como o genocídio de negros é comum, tolerado pela sociedade e aplaudido por autoridades. Vidas negras valem menos. Se na escravidão eles eram chicoteados, agora são mortos aos olhos do Estado, que deveria zelar pela segurança de todos: negros e brancos.
Jamais vamos ver, na Zona Sul do Rio ou na Barra da Tijuca, as cenas de bang bang produzidas na Vila Cruzeiro – mesmo que criminosos violentos, traficantes de tudo um pouco e sabe-se lá o que mais – morem por lá. Afinal, eles são brancos e ricos.
Em novembro de 2020, João Alberto Silveira de Freitas morreu asfixiado ao ser espancado por asfixia, depois de ser espancado por seguranças do supermercado Carrefour, em Porto Alegre. Um ano antes, em 2019, Pedro Henrique Gonzaga foi assassinado por um segurança do supermercado Extra, na Barra da Tijuca. Tal qual a família de Genivaldo, a mãe de Pedro implorou para o segurança parar, mas foi em vão. Impotente, ela foi obrigada a assistir à morte do filho!
Em maio de 2021, uma operação da polícia no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, resultou em 28 mortos. Mas, corpos de negros empilhados formando montanhas já se tornaram comuns. Corpos são enterrados e vida que segue.
Os defensores desse extermínio vão dizer que “bandido bom é bandido morto”.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, 86% das mortes causadas pela polícia foram de negros. Será coincidência? Coincidências não existem, nada acontece por acaso.
Nos Estados Unidos, George Floyd morreu asfixiado pela polícia. Bastou uma morte para o país “pegar fogo”. Os protestos incendiaram cidades e as imagens correram o mundo. Assim como as imagens da morte de Genivaldo deverão correr. A diferença é que aqui é comum; mas, nem tudo que é comum é normal. Ficamos de braços cruzados, esquecemos e esperamos a próxima; depois outra e assim vamos seguindo.
Se a morte de Genivaldo não nos servir de um motivo para protestos em todo o Brasil, ela será avalizada pelo silêncio de todos que pensam, aliás, pensam não, acham que não é racista, racista são os outros e a polícia, apenas, realiza o seu trabalho e que “bandido bom é bandido morto”.
Nessa toada, o presidente Messias já afirmara que não se sente em dívida com os negros; disse, também, que seus filhos foram “bem educados” e que jamais se casariam com uma mulher negra.
Em outra toada, o silêncio do País e a anuência de Jair diante dessa hecatombe sobre a população negra nos impõem uma missão que o Messias não tem capacidade de executar: vamos precisar de muito esforço para limpar esse País.
Em tempo: Umbaúba começou a pegar fogo nesta quinta-feira (26). Ainda resta um fio de esperança.
* O autor é economista, professor, jornalista, escritor e editor-chefe do Correio9
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OS TEXTOS ASSINADOS NÃO REFLETEM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CORREIO9
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