Elias de Lemos (Correio9)
A vida é uma grande peça de teatro. Nós estamos no palco, mas, não estamos sozinhos. Além da nossa família e dos nossos amigos, tem também a escola – como parte desse palco – e dentro dela, os professores e funcionários são mais do que personagens, são os roteiristas, que nos ajudam a escrever a nossa própria história.
A professora aposentada, Arlene Geraldo é uma personagem assim. Professora; depois diretora, ela sempre lidou com os alunos olho no olho e conseguia enxergar cada um deles. Hoje, a professora que dedicou mais de 40 anos de sua vida à educação, está com 79 anos, desenvolvendo Alzheimer, ela vive ‘quase’ reclusa, em companhia da filha, Janine Geraldo Costa e da neta Janice Costa Grillo.
Arlene tem lapsos de memória em relação a fatos recentes, mas se recorda da maior parte de sua história (mas, ela conta com a presença da filha Janine, sempre atenta, que ajudou nas recordações contadas nesta matéria). Durante as quase duas horas de duração da entrevista que concedeu ao Correio9, Arlene demonstrou o mesmo bom humor que sempre cultivou. Com o astral de sempre, de uma pessoa acostumada a olhar para o que é positivo e a rir de si mesma, ela não demonstrou cansaço, pelo contrário: riu muito ao contar a própria história.
A capixaba, Arlene, é filha de uma família de nove irmãos. Ela nasceu na cidade de Baixo Guandu. Mas, pouco tempo depois, sua família mudou-se para Barra de São Francisco, e em seguida, quando ela ainda era criança, mudaram-se, novamente, fixando residência em Nova Venécia.
Egressa da ‘Primeira Turma do Magistério de Nova Venécia’, ela se formou em 1964 e no ano seguinte (1965), começou a lecionar no município de Boa Esperança. A partir desse ano, as histórias contadas por ela, são – ao mesmo tempo – divertidas e admiráveis.
A carreira respeitável, construída por Arlene, é cheia de altos e baixos, carregada de muita determinação e luta.
A saída
Ela contou que, naquela época (década de 1950), o enfrentamento da vida era bem mais difícil para as mulheres. Ela queria estudar, mas a primeira resistência que enfrentou foi dentro de casa, pois a sua mãe era contra a vontade da filha: “Minha mãe dizia que eu tinha que aprender a arrumar a casa e cozinhar para eu arrumar um marido, mas eu nem pensava nisso”, falou. E, aos risos, emendou: “Talvez seja por isso que eu nunca casei”.
Mas, se por um lado, a mãe não a apoiava, seu pai pensava diferente e alimentava os sonhos da filha. E isso foi decisivo em sua vida. Ainda na adolescência ela foi estudar em São Paulo. Lá, conseguiu uma vaga para fazer um curso de ‘Nutrição’ em Belo Horizonte, para onde partiu em seguida (lembrem-se de que falo de uma adolescente na década de 1950).
A volta
Mais tarde, já de volta a cidade de Nova Venécia ela daria sequência à sua construção de mulher independente. Depois de se formar em Magistério, ela começou a sua trajetória profissional. Iniciou lecionando em Boa Esperança, para onde se deslocava em um ‘carro de leite’, em companhia de outras professoras. Lá, permaneciam por quinze dias, quando voltavam para casa para passar o fim-de-semana.
Pouco depois de começar a trabalhar em Boa Esperança, Arlene se tornou diretora do Colégio Antônio dos Santos Neves.
Em 1969 ela começou a graduação no curso de Geografia, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Colatina (Fafic). Concluído o curso – também, na Fafic – ela iniciou sua segunda graduação, agora, em Ciências.
O primeiro concurso público
Logo que concluiu as graduações, surgiu uma grande oportunidade para professores em Nova Venécia. Naquele período, o governo federal estava implantando o projeto das escolas “Polivalentes”, que eram escolas técnicas federais.
Ela fez o concurso e foi a 27ª colocada em todo o Estado. Mas, o ingresso na carreira contou com algumas aventuras (neste momento, Janine telefonou para a professora aposentada Josete Sarmento Malta, que estudou e se formou com Arlene. As duas são amigas há 62 anos).
À reportagem, Josete contou que para conseguirem quatro pontos para o ingresso no magistério federal, elas trabalharam “de graça” realizando recenseamento para o Governo. “Íamos, a pé, para o interior, sem lugar para ficar, sem dinheiro e sem conhecer ninguém”, contou. Segundo ela, os deslocamentos eram marcados por muita aventura, história e risos: “Ríamos tanto durante os trajetos, que chegávamos ao ponto de fazer xixi nas roupas. Isto aconteceu por inúmeras vezes”, falou rindo, como se fosse molhar as roupas como ‘antigamente’.
Arlene contou que foi a época em que mais ganhou dinheiro. “Com o primeiro salário, recebido do governo, eu comprei um carro e com o segundo, uma casa”, contou aos risos.
Quando o Polivalente foi estadualizado, os professores, que eram funcionários federais, tinham o direito de escolher outra vaga, em outro lugar. Porém, Arlene preferiu permanecer em Nova Venécia.
A direção do Dom Daniel Comboni’
Em 1979, Arlene foi convidada a assumir a direção do Colégio Dom Daniel Comboni (Estadual), que estava sendo fundado pelo Padre Carlos Furbetta, em Nova Venécia.
Ela conta que o convite não foi bem aceito por alguns católicos, uma vez que ela frequentava a Igreja Adventista e muitos defendiam a indicação de uma professora da mesma religião. Porém, o padre não levou em conta a crença, optando pela capacidade da escolhida.
Arlene inaugurou o Estadual e, em seguida, assumiu a direção do Colégio, que começou funcionando no Centro Paroquial São Marcos.
Quando a sede definitiva foi construída (na Avenida Mateus Toscano, no Bairro Filomena), ela assumiu uma escola que tinha, apenas, o básico. Mas, encarou a tarefa de estruturar as instalações. Só faltava dinheiro. Mas, isso não seria, necessariamente, um problema para Arlene.
Ela organizava forrós para conseguir dinheiro para a escola. Foram anos e anos fazendo isso. Desse modo, ela construiu duas quadras, o refeitório e o muro que separa os Colégios Estadual e Polivalente.
Em sua época na direção do Estadual, havia uma grande horta e a granja – cuidadas pelos professores, funcionários, alunos e, claro: a diretora. Era dali que saía boa parte do suprimento da cozinha industrial, também, construída por ela.
A aposentadoria
Arlene Geraldo ficou onze anos na direção do Estadual, até se aposentar em dezembro de 1990. Ela pensou que fosse descansar. Mas…
Logo, ela se juntou a um grupo de professores, entre eles Angelina Rodrigues, com quem trabalhou por muito tempo no Colégio Estadual, onde Angelina fora coordenadora de turno. Fundaram uma cooperativa educacional, a Coopevi. No entanto, as coisas não foram muito bem.
Arlene estava aposentada, mas, naquele início da década de 1990, o Governo do Estado do Espírito Santo estava em uma situação semelhante à que se encontra, atualmente, o Rio de Janeiro. Isto quer dizer que quem dependia de pagamentos do Estado, vivia na ‘pindaíba’. E foi aí que ela voltou à sala de aula.
Em 1995 ela fez novo concurso, agora para o Magistério Municipal.
A filha Janine lembra que ouviu “deboches”, em rodas de conversas, coisas como: “O que a ‘velhinha’ está fazendo aqui?”. Mas, a ‘velhinha’ se chamava ‘Arlene Geraldo’.
Ela foi a primeira colocada no concurso da Prefeitura. Janine lembra de que no dia da prova de títulos ela ‘precisou de um carrinho de mão’, para carregar seu currículo.
Depois disso, continuou lecionando, até se aposentar, novamente, agora, pela Prefeitura; pois, depois de percorrer caminhos, como uma ‘Forest Gump’ de saias, finalmente, ela, parece descansar…
Arlene e Janine
A filha de Arlene nasceu sua sobrinha. Ela era Janine Ferreira Costa. Desde a primeira infância, Janine sempre viveu com a tia, quem a criou e educou.
Aos catorze anos de idade, Janine Ferreira Costa foi adotada legalmente, pela tia, com a plena concordância dos pais biológicos de Janine.
Assim, Janine se tornou Janine Geraldo Costa. Agora, legalmente, seus pais biológicos são seus tios e, por consequência, seus irmãos biológicos, são seus primos; tendo a sua tia, se tornado a sua mãe.
Janine tem uma filha, Janice, a neta de Arlene, tem 17 anos.
Hoje, no auge dos seus 79 anos, Arlene fala da própria história como quem narra uma aventura; uma aventura em que ela é a maior protagonista.
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