Bruno Gaburro (Correio9)
Todos passam por situações difíceis em suas vidas, alguns têm desafios maiores, enquanto outros enfrentam menos complexos. Diante de toda dificuldade, o importante é saber o que fazer, como superar essa adversidade e transformá-la em algo positivo.
No ano de 1995, enquanto trabalhava em uma propriedade rural no município de Vila Pavão, Roberto Junker, que na época tinha 25 anos, tomou um tiro que acertou o seu pescoço ao pedir seu vizinho, que se encontrava na situação de usuário de drogas, para prender a sua criação de porcos, que avançava sobre as terras que estavam aos cuidados de Roberto. A vítima caiu no chão e esperou pela ajuda, que veio logo. No chão, Roberto percebeu que não estava sentindo suas pernas, mas revela ao Correio9 que se manteve esperançoso, acreditando que os médicos que cuidariam dele pudessem reverter a situação.
Às pressas, foi socorrido e encaminhado para o Hospital Sílvio Avidos, em Colatina, onde ficou 27 dias internado, recebendo todo o atendimento hospitalar necessário para sobreviver ao atentado. No dia em que chegou ao hospital, ele recebeu a visita de um médico, que informou que o projétil da pistola 635 havia atingido a altura da vértebra T1 da coluna vertebral, e isso o impossibilitaria de andar novamente.
A situação foi um choque muito grande para Roberto, pois havia tomado um tiro ‘de graça’, sem se envolver em confusão, em uma situação totalmente inesperada por ele, de uma hora para outra, se viu incapaz de voltar a andar normalmente, como qualquer outra pessoa. Segundo ele, o momento mais complicado foi quando retornou para casa e já não podia mais realizar sua rotina normalmente, sempre dependendo de alguma outra pessoa.
Com o passar dos anos, Roberto adquiriu uma cadeira de rodas e foi se adaptando à sua nova realidade. Frequentou o Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo (Crefes) para trabalhar sua recuperação física e foi aprendendo a cuidar de si mesmo na prática, literalmente, vivendo e aprendendo.
“Eu nunca quis me entregar, nunca pensei que eu era inferior a alguém por causa da minha nova condição. Coloquei na minha cabeça que a cadeira de rodas para mim seria um auxílio. Eu tinha minhas dificuldades, mas eu lidei bem com essa situação, enfrentando ela de cabeça erguida. Nunca entrei em depressão por causa disso”, discorre.
Mas uma cadeira de rodas ainda implicava em muitas limitações, principalmente em Nova Venécia, que tem um grande número de morros, o que impedia a livre circulação de Roberto, que só podia andar em lugares planos, dentro de casa ou, era obrigado a sempre chamar um táxi para andar em qualquer parte da cidade, além de precisar de alguém para acompanhá-lo.
Até que em um dia de navegação pela internet, no ano de 2013, ele se deparou com um produto que poderia mudar sua vida para melhor: o triciclo para cadeirantes, que possibilita ao usuário uma maior liberdade.
O cadeirante sobe no triciclo motorizado por uma rampa localizada na parte de trás e engata sua cadeira em um local apropriado, para que ela não se solte. Feito isso, basta ligar o motor e acelerar para onde desejar.
O triciclo foi produzido pela marca Free Way e atinge uma velocidade de até 50 km/h em uma estrada plana e em boas condições. Foi vendido pelo fabricante, que atuava na cidade de Ananindeua, no Pará, já que não encontrou fabricantes na região.
Bastou fazer alguns ajustes no triciclo e ele foi enviado, com o custo total, incluindo o frete, de R$ 15.500.
Roberto, atualmente com 49 anos, pai de dois filhos, se diz muito satisfeito com sua aquisição. “Devo dizer que nada substitui as pernas, mas eu me contento com essa nova possibilidade que o triciclo promoveu a mim; ele facilitou bastante a minha vida e me deu grande independência. Hoje, eu venho ao Centro da cidade sozinho, ando pelos bairros tranquilamente, mesmo com todas as dificuldades que Nova Venécia apresenta”, revela.
TORNOU-SE UMA CURIOSIDADE
Ultimamente, a população veneciana já está acostumada com o triciclo passando pelas ruas da cidade, mas, no ano em que foi comprado e trazido para Nova Venécia, as pessoas não paravam de olhar, apontar, e perguntar sobre o veículo, que chamava a atenção de todos pela sua singularidade. Para interagir com os curiosos, Roberto sempre foi muito aberto às perguntas e brincadeiras em geral e até recebeu o apelido de Formiga Atômica – um personagem de desenhos animados da década de 60 – por conta de seu equipamento, que inclui o capacete.
Parentes de pessoas que se encontram em situação parecida com a de Roberto buscam informações para adquirir o produto, para tentar melhorar a qualidade de vida dessas pessoas cadeirantes. Estes são sempre orientados a realizar buscas na internet, pois existem novos fabricantes que foram aparecendo e podem estar mais próximos de Nova Venécia, além de ter modelos diferentes que oferecem funções extras. Roberto indica um fabricante que conheceu recentemente. Para saber mais sobre ele, basta buscar no Google: “caio fabricante de triciclos para cadeirantes”. Ele oferece uma série de facilidades, como um financiamento pelo Banco do Brasil.
ACESSIBILIDADE
Roberto afirma ao Correio9 que Nova Venécia tem evoluído na questão de acessibilidade, mas que as adaptações ainda não são suficientes. Ele cita o exemplo da Praça Jones dos Santos Neves, onde existem rampas de acesso para cadeirantes, mas diz que, ao sair da praça, é impossível subir na calçada do banco ao lado, pois é uma calçada alta, e não tem rampas. Essa é uma situação comum em Nova Venécia para os cadeirantes segundo Roberto, e ele declara “é preciso salientar que a situação deu uma melhorada de uns tempos para cá, mais ainda precisa evoluir mais. Eu conheço muitos cadeirantes aqui em Nova Venécia, mas raramente os vejo na rua. Muitos têm vergonha da sua condição e evitam sair, mas sei que muitos, realmente, não saem pela dificuldade em se locomover pela cidade por conta dessa falta de acessibilidade. A gente não vê muitos cadeirantes nas ruas, mas Nova Venécia tem muitas pessoas nessa situação. O calçamento de Nova Venécia está muito precário, e se as pessoas forem sair de suas casas todos os dias nessas condições, precisam trocar de cadeiras todos os anos, pois elas quebram, e uma nova custa cerca de R$ 1.500”.
NUNCA DESISTIR
Ao fim da entrevista, Roberto Junker deixa uma mensagem para as pessoas que perderam os movimentos das pernas recentemente. Ele diz que é preciso encarar a situação e procurar não se abalar, pois só assim conseguirá superar a fase inicial sem problemas com depressão ou alguma doença parecida. É preciso perceber que as coisas evoluíram no Brasil e que hoje, se um cadeirante desejar trabalhar, ele tem espaço no mercado, e dessa forma, pode ser incluído na sociedade, levando uma vida normal como qualquer outra pessoa.
Para finalizar, ele desabafa: “Se cada cadeirante tivesse a oportunidade de adquirir um triciclo desse ia ser muito especial, pois ele oferece uma acessibilidade quase total ao cadeirante. Por exemplo, dentro da minha casa, eu consigo fazer tudo sozinho. Já fora dela, graças a ele, eu posso ir a qualquer canto, e isso me torna quase igual uma pessoa sem nenhuma limitação física, em questão de locomoção. Eu sei que existem os obstáculos, mas eu preciso estar preparado para os desafios que aparecem em minha vida. Se der para eu ir até o lugar que quero, eu vou; se no dia não é possível, eu deixo para outro dia, ou peço alguém para ir para mim, mas sempre dou meu jeito”.
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