Julia Roberts não conseguiu impedir o casamento do melhor amigo, Kate Hudson não perdeu um homem em 10 dias e Bridget Jones emagreceu. Mas nada disso dói mais no coração dos apaixonados por comédias românticas do que a saudade da era de ouro do gênero, que já não brilha mais nas bilheterias.
Em 2016, só uma comédia romântica apareceu na lista dos 50 filmes mais assistidos no mundo. “O bebê de Bridget Jones”, 39º colocado, foi lançado com expectativa, mas teve desempenho considerado decepcionante: arrecadou US$ 212 milhões – em uma época de ingressos mais caros, ficou bem atrás de “O diário de Bridget Jones” (US$ 281,9 milhões), de 2001, e “Bridget Jones: No limite da razão” (US$ 262 milhões), de 2004.
Há dez anos, o quadro era outro. Quatro filmes entraram no ranking de 2006: “O amor não tira férias” (18º), “Separados pelo casamento” (19º), “Dois é bom, três é demais” (42º) e “Armações do amor” (43º). Voltamos mais 10 anos e, em 1996, vimos “O professor aloprado” (8º), “Jerry Maguire: A grande virada” (9º) e “Um dia especial” (34º) – note que havia duas comédias românticas entre os 10 mais assistidos (veja a queda de bilheteria no gráfico abaixo).
Em entrevista em 2013 à revista “The Hoollywood Reporter”, a produtora Lynda Obst, de “Como perder um homem em 10 dias” (2003), “Sintonia do amor” (1993) e outros sucessos melosos, já decretava:
“Não vejo nos estúdios qualquer apetite para comédias românticas.”
Será mesmo?
“É inquestionável. Há uma queda, sim, de número de filmes e principalmente de desempenho nas bilheterias”, reconhece, em entrevista ao G1, Rodrigo Saturnino, gerente geral da Sony Pictures no Brasil. Ele diz que a culpa não é dos estúdios: “É como se as novas gerações, por algum motivo, rejeitassem o gênero.”
A crise das comédias românticas, então, seria explicada por um efeito em cadeia: o público perde o interesse nas histórias fofinhas e engraçadinhas e os produtores decidem não investir mais em histórias fofinhas e engraçadinhas. Para Saturnino, nesse cenário, bastaria que um ou dois filmes virassem sucessos de bilheterias para puxar uma leva de outras produções e, assim, reanimar o gênero.
A maioria dos analistas internacionais, porém, elaboram outras teorias. Algumas delas:
- Os estúdios não estão mais interessados em filmes de médio orçamento – e aí incluem-se as comédias românticas –, já que os cinemas estão dominados por superproduções de super-heróis;
- As adaptações de livros em sagas como “Crepúsculo” e “Jogos vorazes” dominaram o interesse do público feminino no cinema;
- Hollywood é machista e nunca deu o devido valor a filmes estrelados por mulheres, e isso deu mais um empurrãozinho no gênero rumo ao precipício
- É cada vez mais difícil encontrar obstáculos para a concretização de um romance – diferenças entre classes sociais, desaprovação da família e compromisso com terceiros são dramas do passado –, por isso os roteiros do gênero teriam se esgotado;
- Atrizes jovens como Jennifer Lawrence e Emma Stone têm ignorado comédias românticas em nome de trabalhos, digamos, mais premiáveis.
Fim do namoro
O último argumento é o mais controverso. Julia Roberts se tornou uma das mais bem-sucedidas atrizes do mundo graças a produções como “Uma linda mulher” (1990), “O casamento do meu melhor amigo” (1997) e “Um lugar chamado Notting Hill” (1999). Pouco antes, Meg Ryan fez fama com “Harry & Sally: Feitos um para o outro” (1989). Houve ainda Sandra Bullock (“Amor à segunda vista”, “A proposta”) e Reese Witherspoon (“Legalmente loira”, “E se fosse verdade…”).
Por algum tempo, todas elas se mantiveram no topo estrelando filmes açucarados, de orçamentos médios, nem tão aclamados, mas com público fiel. Hoje, as atrizes do momento – Emma Stone, Kristen Stewart, Jennifer Lawrence, Scarlett Johansson, Amy Adams – podem até ter comédias românticas no currículo, mas mudaram de direção e são lembradas por capítulos bem diferentes de suas carreiras. Até mesmo Natalie Portman (“Todos dizem eu te amo”), Rachel McAdams (“Meia-noite em Paris”) e Anne Hathaway (“Idas e vindas do amor”), que chegaram a ensaiar um protagonismo no gênero, tomaram outro rumo.
E no Brasil?
O Brasil também já emplacou histórias de amor. A mais bem-sucedida delas é a fraquia “Se eu fosse você”, em que Glória Pires e Tony Ramos trocam de papeis. Os dois filmes, de 2006 e 2009, venderam cerca de 9,7 milhões de ingressos. Também se destacaram, entre outros, a série “Meu passado me condena” (5,7 milhões de espectadores para os dois filmes), “Loucas pra casar” (3,7 milhões de espectadores) e “Os homens são de Marte… e é pra lá que eu vou” (1,7 milhão).
“O mais curioso, para mim, é esse declínio estar acontecendo também no cinema nacional. No Brasil, demorou um pouco mais. Mas é significativo que sequências, como a de ‘Meu passado me condena’, tenham faturado menos que os filmes originais, quando o natural é acontecer o contrário”, avalia Saturnino. O segundo filme da franquia, lançado em 2015, teve 2,6 milhões de espectadores, ante 3,1 milhões do primeiro, de 2013.
Mônica Martelli, criadora de “Os homens são de Marte” – que também está no teatro e em uma série do canal GNT – é mais esperançosa: tanto que prepara a sequência do filme, com início das filmagens em outubro. Ela não nega que existe preconceito: “O amor foi tratado de forma tão idealizada durante tanto tempo que ficou estigmatizado”. Mas conta o que considera ser o segredo do sucesso:
“Aquela mocinha delicada dos anos 90, que busca um amor, não nos representa mais. Hoje as mulheres têm outros interesses, além da vida amorosa.”
Novos amores
Na opinião de Mônica, ainda há espaço para histórias mais reais, com protagonistas independentes e que “não querem só um marido para colocar presunto em casa”. É também o que sinaliza a crítica internacional. Filmes nem tão bem-humorados assim, que mostram as complexidades dos relacionamentos, muitas vezes, com desfechos dolorosos, conquistaram elogios e resultados satisfatórios nas bilheterias nos últimos anos. É o caso, por exemplo, de “(500) Dias com Ela” (2009), “O lado bom da vida” (2012), “Ela” (2013) e “Azul é a cor mais quente” (2013).
Saturnino aponta outro ocupante do espaço deixado pelas comédias românticas: os dramas românticos baseados em best-sellers, como “A culpa é das estrelas” (2014) e “Como eu era antes de você” (2016), ambos entre os 50 mais assistidos de seus anos de lançamento. “Eles também são filmes que não custam tanto. O caro, nesse caso, é o direito autoral”, explica.
Também se beneficiam outros filmes que têm romance e têm comédia, mas não são comédias românticas: as histórias encantadas da Disney. Um empurrãozinho a mais para “A bela e a fera”, a linda história de amor cheia de momentos cômicos que tem, até agora, a maior bilheteria mundial de 2017: US$ 1,1 bilhão. Para os romances felizes para sempre, só sobraram mesmo os contos de fadas.
Fonte: G1.
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