Heloísa Mendonça
O economista José Luis Oreiro, um dos principais nomes do desenvolvimentismo no Brasil, avalia que a atual política de austeridade da equipe do ministro Paulo Guedes é equivocada e não ajudará a recolocar o país na rota do crescimento. Pelo contrário, Oreiro avalia que a economia brasileira já dá sinais de retração e o Brasil corre o risco de mergulhar novamente em uma recessão. As opiniões do economista importunam liberais, já que, na avaliação dele, o momento não é de cortes – ou contingenciamento –, mas de aumento do investimento público. Para ele, é justamente o Governo quem precisa fazer o papel anticíclico. Em entrevista ao El País, Oreiro, que atualmente é professor da Universidade de Brasília (UNB), afirma que a equipe econômica liderada por Guedes quis criar um cenário de caos para convencer a população e parlamentares de que não há outra alternativa para o país a não ser aprovar a reforma da Previdência.
Pergunta. Saímos há muito pouco tempo de uma forte crise econômica e, desde então, o país apresenta uma lenta retomada. Nas últimas semanas, estamos vendo sucessivas quedas das projeções de crescimento. Corremos o risco de uma nova recessão?
Resposta. O Produto Interno Brasileiro (PIB) do primeiro trimestre deste ano irá se contrair e isso já está dado. Os números do Banco Central mostram uma contração, as projeções do monitor do PIB da Fundação Getúlio Vargas (FGV) também apontam na mesma direção. A pergunta agora é: qual será o comportamento do segundo trimestre? Não há, no entanto, nenhum indicador positivo. Nas últimas semanas, houve aumento dos juros de longo prazo, avanço da cotação do dólar, queda da bolsa. É muito provável que o segundo trimestre venha com um número negativo da atividade econômica e dois trimestres consecutivos de queda do PIB caracterizam recessão técnica. A chance do Brasil entrar em recessão técnica é hoje maior que 50%, está entre 60 e 70%.
P. Esta está sendo a retomada mais lenta da história recente do país. Por que o país não está conseguindo voltar para o patamar de atividade pré-crise?
R. A questão é que todas as políticas econômicas, a fiscal, a monetária e a parafiscal (leia-se o crédito dos bancos públicos) continuam no campo contracionista. A política fiscal, seja com a implantação do teto de gastos ou com o problema hoje da regra de ouro, tem sido contracionista já que reduziu o investimento público. Ele vem caindo sistematicamente nos últimos três anos. E ele é o componente do Governo que tem maior efeito multiplicador.
P. Como conseguir voltar com o investimento público num momento de descontrole das contas públicas e de total austeridade por parte do Governo?
R. Como todos os países fizeram quando se encontraram diante desse tipo de situação. Quando você entra numa recessão, o setor privado está cortando gastos, as famílias estão reduzindo consumo e as empresas, investimentos. Por quê? Tanto as empresas como as famílias querem reduzir seu endividamento. Mas, para que isso aconteça, é necessário que o setor público aumente o dele. Isso é uma contrapartida contábil necessária. Se o Governo e o setor privado reduzirem seus gastos ao mesmo tempo, o resultado final será uma queda grande do nível de atividade. O Governo precisa fazer o papel anticíclico, que é o papel fundamental dos Estados modernos desde a publicação da teoria geral do emprego, do juro e da moeda do economista britânico John Maynard Keynes em 1936. Isso é resultado básico de macroeconomia que foi solenemente ignorado tanto pelo presidente Michel Temer, pela presidenta Dilma Rousseff no segundo mandato e está tendo continuidade com Bolsonaro. A equipe de Paulo Guedes está fazendo uma política equivocada, o equilíbrio fiscal tem que ser intertemporal, não pode ser num dado ponto do tempo. Quando a economia está em recessão, o Governo não tem que cortar o investimento, isso só piora as coisas. Dessa forma, ele reduz ainda mais o nível de atividade, a arrecadação de impostos cai, o que acaba piorando o déficit das contas públicas. Se o Governo tivesse continuado gastando com investimento, isso poderia dar um impulso para o nível de atividade econômica. Na medida em que a economia crescesse mais rapidamente, ele começaria a arrecadar mais impostos e reduziria os gastos públicos. Todos os países desenvolvidos fizeram isso na crise de 2008. Estados Unidos, Japão, países europeus, a China fez em escala inimaginável.
P. Nos últimos anos, a Reforma da Previdência tem sido considerada a principal medida econômica para evitar um colapso das contas públicas. Está de acordo com o projeto em tramitação?
R. A reforma da Previdência é necessária para evitar uma catástrofe daqui a dez, quinze anos, não é para resolver o problema agora. Até porque o impacto de curto prazo sobre as contas do Governo é zero. Ela não ajuda em nada a situação fiscal hoje. Ela está mal encaminhada, não faz nenhum sentido introduzir um regime de capitalização. Devido aos custos de transição, ele só pioraria as contas do Governo. Se implementado, aí sim veremos o que é uma crise fiscal. Todo mundo sabe disso, menos o Paulo Guedes. A proposta possui uma série de problemas e precisa ser significativamente mudada. Mas acredito que isso acontecerá, fazendo com que a economia gerada seja em torno de 600 bilhões de reais, 700 bilhões de reais, muito abaixo do 1,3 trilhão de reais…
P. Acha que a aprovação da reforma pode contribuir de forma contundente para retomar a confiança de empresários e investidores (mantra repetido por muitos especialistas e pelo Governo) e ajudar o país a retomar a rota de crescimento?
R. Não. Isso não gera demanda, você está cortando gastos que vão acontecer no futuro. Ou que iriam, caso a reforma não fosse aprovada. Porém, isso não gera um centavo a mais para aumentar investimento público. Então, você não vai ter ganhos significativos com a aprovação das mudanças no regime de aposentadoria. Embora eu reconheça que, se a reforma não for aprovada, se nada for aprovado de fato, você vai piorar a situação do país.
P. Apesar de defender um projeto econômico diferente do atual, o senhor concorda com algumas das medidas apresentadas pelo Governo Bolsonaro?
R. A reforma interessante é a tributária, mas quem vai tocar será o Congresso Nacional. A proposta de reforma do Governo que o secretário Marcos Cintra anunciou, querendo um imposto único, é um horror, uma aberração completa. Mas a que está sendo tramitada na Câmara, com base no projeto do economista Bernardo Appy, que quer introduzir a criação do Imposto de Valor Adicionado (IVA), para acabar com a bagunça dos impostos. Essa pode dar competitividade à indústria de transformação e um gás nas exportações no médio prazo. Essa sim é extremamente importante. Já há o compromisso do Rodrigo [Maia] votar essa proposta, essa sim tem potencial de estimular o crescimento da economia brasileira. Ela deveria inclusive vir antes da Previdência, uma vez que já traz competitividade hoje. Mas, se for possível tocar as duas juntas, ótimo.
P. Qual o projeto econômico adequado neste momento para o Brasil sair dessa estagnação?
R. O que precisa ser feito é uma coordenação entre a política fiscal e monetária e isso pode ser feito por intermédio do Conselho Monetário Nacional. O Banco Central poderia reduzir a taxa de juros de 6,5% para 5%. Ao reduzir, diminui o custo de rolagem da dívida pública. Essa redução geraria uma economia de aproximadamente R$ 30 bilhões. Você abriria espaço para descontingenciar o orçamento federal e, com isso, evitar uma queda ainda maior do investimento público. Acho que essa seria uma medida muito simples, não é radical e todo mundo entenderia se o ministro da Fazenda tivesse serenidade de explicar isso para a população e o mercado. Agora, infelizmente, o Governo não tem essa percepção.
P. Mas o senhor acredita que eles colocariam propositalmente o país em um cenário de catástrofe econômica para conseguir aprovar a Previdência?
R. Aí tem um pouco da personalidade do Paulo Guedes, que é jogador de poker. Ele trucou, fez essa estratégia arriscada, que não vingou, mas que se funcionasse ele conseguiria aprovar a reforma dos sonhos deles. Mas não funcionou porque a sociedade brasileira está querendo discutir os detalhes da reforma.
P. Além dos juros, quais outras medidas a médio prazo poderiam ser tomadas para retomar de forma robusta a atividade, produtividade e os empregos?
R. Aí é preciso pensar em um projeto de país, de desenvolvimento ao longo prazo, o que o Governo Bolsonaro não tem. Eu diria que quase ninguém tem. Esse projeto passa pela recuperação da capacidade de investimento público, seja da União, de Estados ou municípios. Nesse aspecto, a reforma tributária será fundamental junto com a Previdência para conseguir dar fôlego financeiro tanto para a União como para estados e municípios recuperarem sua capacidade de investimento. Se não houver um aumento significativo do investimento público, que hoje está no nível mais baixo dos últimos 30 anos, não teremos crescimento. Para o crescimento voltar, no Brasil, é preciso uma taxa de câmbio competitiva, mas que seja estável. O câmbio atual de R$ 4,10 é até bom, o problema é que o câmbio oscila muito, daqui a 5 meses pode estar a R$ 3,80. A oscilação é ruim para indústria, aumenta a incerteza e faz com que os empresários não se sintam estimulados a investir.
P. Qual tipo de política especificamente o senhor sugere?
R. A política econômica não pode se limitar à concessão de subsídio tributário e benefício. Pode eventualmente ter, mas tem que ser pensada de uma forma mais estruturante. A ideia de que, primeiro, eu tenho que sair da crise para então fazer uma política de investimento é míope. Está errada. Você faz essas políticas como parte da estratégia de sair da crise e acelerar o crescimento.
P. Um dos pilares da gestão de Bolsonaro é a abertura da economia ao mercado internacional. O Brasil está preparado para esse movimento?
R. O fechamento atual da economia brasileira é uma consequência da valorização da taxa de câmbio. A melhor política é colocar o câmbio no patamar correto e estável e, uma vez que você acertar o câmbio, com um valor competitivo, você pode reduzir as tarifas comerciais sem nenhum problema. Mas, com o câmbio pouco competitivo e com a atual infraestrutura do país, as empresas brasileiras não conseguem competir com o exterior. As tarifas são as únicas coisas que sobraram para evitar que a indústria brasileira seja varrida do mapa. Se, nessas condições, fizermos uma abertura econômica como a equipe econômica almeja, vamos destruir a indústria brasileira.
P. Outra prioridade do Governo é a privatização de uma centena de empresas. O secretário incumbido para tirar o plano do papel, Salim Mattar, já afirmou que não “existe estatal eficiente’’. Qual a sua posição sobre o tema?
R. Precisam ser analisadas caso a caso. Não tenho nada contra, a princípio, a privatização ou sobre as estatais. Mas as estatais não dependentes do Tesouro não deveriam ser privatizadas. A Petrobras e o Banco do Brasil, por exemplo, dão muito lucro e dividendos para o Governo. Não dá para privatizar apenas para gerar caixa.
* Entrevista concedida ao site do El País
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