Elias de Lemos (Correio9)
Cerca de 120 famílias, com aproximadamente 400 pessoas, habitam o acampamento Ondina Dias, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, no interior de Nova Venécia. Elas estão lá há nove meses, depois de se mudarem três vezes. O grupo foi formado no Pip-Nuk, foi para uma área próxima de onde está hoje, mas se mudou para evitar uma possível ação de reintegração de posse.
A equipe do Correio9 foi ao acampamento – onde passou a manhã da última segunda-feira – e conversou com parte dos acampados, visitou as moradias improvisadas e conheceu a organização do local.
Localizado há pouco mais de onze quilômetros do Centro de Nova Venécia, o acampamento Ondina Dias ocupa a Fazenda Neblina – onde foi erguida uma espécie de vila – à margem esquerda da rodovia que liga os municípios de Nova Venécia e São Gabriel da Palha.
O local é organizado e chama a atenção pela quantidade de canteiros de hortaliças, que circundam todos os barracos de lona, com piso de “terra batida”. As residências são organizadas, apesar de contarem, apenas, com gêneros básicos, de primeira necessidade, como utensílios domésticos, alguns móveis e roupas.
No interior das moradias o calor é insuportável. Questionados como lidam com isso, eles respondem que durante o dia “ninguém” fica dentro dos barracos, até mesmo porque, a maioria passa o dia trabalhando nas redondezas.
Até agora, o grupo passou por três tentativas de reintegração de posse. Nas duas primeiras, ele se deslocou de local para evitar violência policial – como a que aconteceu no acampamento Fidel Castro, em Braço do Rio, no município de Conceição da Barra. Lá, a polícia usou tratores para destruir 50 hectares de plantação, demoliu barracos e incendiou tudo.
No Ondina Dias, a terceira ordem de reintegração estava prevista para o dia 2 de junho, mas foi suspensa a pedido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O órgão enviou a Nova Venécia uma delegação com servidores das superintendências estadual e federal, para tratar do assunto. A reunião foi realizada no dia 26 de junho, com representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública estaduais.
Com a suspensão, os acampados ganharam um prazo de mais noventa dias para deixarem o local. Até lá, eles convivem com a incerteza.
Eles relatam que vem conseguindo protelar o despejo e esperam conseguir isto, mais uma vez, depois deste prazo. Mas declararam que estão se articulando para a possibilidade de se mudarem novamente.
Segundo os acampados, a Fazenda Neblina estava abandonada “sem cumprir a sua função social”, era um lugar onde nada funcionava. Um deles, Bel Ribeiro, explica que o grupo não ocupa terras produtivas com situação legal perante o Estado. Segundo ele, o MST tem regras e respeita a legalidade: “Se uma terra produz, emprega e contribui com seus impostos, ela cumpre a sua função social”, explica.
De acordo com informações levantadas pelo MST, a Fazenda tem dívidas trabalhistas e com a União.
Eliene Pereira é outra ativista que explica os motivos de estarem ali. Para ela, a justiça passa pela questão da terra. Ela diz que sonha com um “pedaço de terra”, para plantar e produzir alimentos saudáveis.
Aliás, a questão ambiental, a preservação e a produção orgânica são os assuntos mais abordados pelo grupo de acampados.
O cultivo no local é orientado por técnicos do movimento e do Incaper, que contribuem, também, com o ensino de técnicas de preservação ambiental e reflorestamento.
Eles informaram que a compra da Fazenda, pelo Incra, está em processo e que o órgão informou que dispõe de recursos necessários à organização de um assentamento.
Crianças e jovens na escola
Muitas crianças, adolescentes e jovens fazem parte do grupo. Todos estudam. Os estudantes das séries iniciais, até o quinto ano, frequentam a Escola da comunidade de Santa Rosa da Cachoeirinha.
Já os maiores, das séries seguintes se deslocam, diariamente, até Nova Venécia, em ônibus da Prefeitura.
Relação com os vizinhos
Os acampados descrevem que a relação com a vizinhança é amistosa, sem conflitos. Segundo eles, existe “certo preconceito”, para com o movimento, no entanto, ele cai quando as pessoas passam a conhecer a causa.
Citam, como exemplo, o fato de tantos membros estarem trabalhando nas propriedades do entorno, especialmente, na colheita de café.
Como o movimento é organizado
O surgimento do grupo é descrito como a aglutinação de pessoas com problemas e causas comuns. O grupo acampado no Ondina Dias é formado por pessoas de Nova Venécia e de outros municípios da região.
Para ingressar, os participantes devem apresentar atestados de antecedentes criminais. Eles explicam que se trata de uma medida para impedir que pessoas em dívidas com a Justiça, ou até mesmo criminosas se utilizem do grupo para se esconderem.
Dentro do acampamento, tudo é resolvido com muito diálogo.
Carências do grupo
Mesmo com muitos acampados trabalhando, o grupo vive em condições muito simples, e relata suas carências. Eles são unânimes em afirmarem que tem muito apoio de pessoas de fora do movimento, no entanto recebem poucas doações.
Faltam lonas para proteção e cobertura das barracas. Os alimentos também são escassos e, às vezes faltam.
As crianças não dispõem de muitos brinquedos e os existentes não atendem a todas, elas brincam como podem. As roupas, também não são muitas. Na prática, falta ao acampamento, muita coisa de que uma sociedade precisa no cotidiano.
As habitações são frágeis e, segundo eles, quando chove é que eles têm problemas. A maioria molha totalmente, e, nessas ocasiões, quase ninguém tem lugar para dormir. E, isto, quando as construções não vão abaixo.
Aliás, há situações em que existem as “paredes”, mas falta o “telhado”.
Uma vida sofrida
O que leva estas pessoas a fazerem isso? A viver uma vida de privações e de incerteza? Bel Ribeiro responde que é “o conhecimento”, e diz ainda: “Basta olhar para vários assentamentos que deram certo”.
Ele cita vários exemplos de trabalhadores de outros lugares, que se engajaram na luta, conquistaram e estruturaram suas vidas.
Luis Carlos, o “Lulinha”, falou da pressão psicológica que eles passam, especialmente nas ocasiões próximas a possíveis ações de despejo. Nestas ocasiões o estresse é grande, segundo ele é preciso coragem para resistir.
Política
Questionados sobre as expectativas em relação às eleições deste ano, todos lamentam a situação em que se encontra o ex-presidente Lula e da impossibilidade de ele vir a ser candidato.
Porém, todos falam em mudanças, e exaltam a necessidade de inserir pessoas novas na política. Para eles, a geração de políticos, que está aí, não é digna de credibilidade e por isso precisa de ser eliminada da política.
Bel cita um aforismo para sintetizar a necessidade de mudanças: “Estamos torcendo para que as galinhas passem a botar bifes, porque estamos cansados de comer ovos”. Como as galinhas não botarão ovos, é preciso mudar e buscar a fonte dos bifes.
Histórias de luta
Todos os entrevistados pela reportagem têm uma história com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
A jovem Elaine Dias contou que vários membros da sua família, incluindo seus pais, foram engajados no movimento. Ela disse que deseja conquistar a terra para plantar.
Eliene Pereira está no grupo desde os doze anos de idade. Ela já participou da organização de outros acampamentos. Disse que toda a sua família tem histórico no movimento de luta pela terra.
Denise Pessim morava em Nova Venécia, conheceu o movimento e conta que “se apaixonou” pelo ideal de luta. Ela vive em um barraco bem ao centro do acampamento. Na entrada de sua casa tem uma bandeira do MST e, ao lado, um pôster do educador, pedagogo e filósofo, Paulo Freire.
Denise tem alguns livros, dos quais não se separa.
Ela diz que às vezes “bate um desânimo”, mas prossegue dizendo “vivemos muitas injustiças, então temos que resistir na luta”.
Já Wenes Torquato está há um ano e meio no acampamento. Ele narra que já lutou muito que “já deu muita cabeçada” e, por isso, sabe que é necessário resistir.
Os acampados do Ondina Dias se alimentam de esperança, respiram resistência e descansam lutando.
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