Eliana Maria Lemos
Não restam dúvidas que os mais penalizados pelo fim do Programa Mais Médicos, e consequentemente, com o retorno dos médicos cubanos ao país de origem, serão os brasileiros pobres que vivem nos cantões do Brasil, onde sempre sofreram com a falta de atendimento médico porque nossos doutores tupiniquins não se dispuseram a trabalhar nesses locais.
Para quem vive na pobreza, tendo às vezes como única fonte de renda um salário mínimo, alguns nem isso, para bancar todos os custos de uma família, faz muita diferença poder contar com a presença de um médico numa UBS (Unidade Básica de Saúde) próxima de casa para atendê-lo em caso de necessidade.
Sair com um filho pequeno doente nos braços, sem ter um centavo na carteira, e ter que se deslocar 40, 50, 100 quilômetros ou mais – para não vê-lo morrer é terrível! Era o que acontecia em muitos lugares do Brasil antes que fosse firmado o convênio entre Brasil e Cuba, e o que provavelmente vai voltar a acontecer agora com o fim do programa.
Está na cara que não vai ser de uma hora para outra que o Governo Federal vai resolver o problema de preencher essa lacuna deixada pelos profissionais da terra de Fidel Castro. Porque – queira ou não admitir – não há como negar que o espaço ocupado por esses profissionais estava vago, não por falta de médicos no Brasil, mas por desinteresse de uma categoria que em grande parte está mais preocupada com o ‘glamour’ da profissão, com o ‘Dr.’ antes do nome e com a conta bancária, do que fazer medicina no que ela tem de mais sagrado, que é salvar vidas e aliviar o sofrimento alheio, nos grotões do País com estrada de chão, esgoto a céu aberto, no meio de gente pobre em condições precárias.
Oito em cada dez brasileiros cita a saúde pública deficiente como um dos três piores problemas do Brasil (sei disso porque faço essa pergunta todo mês, há mais de quatro anos num projeto de pesquisa que trabalho). Falta gestão, hospital, posto de saúde, falta remédio, equipamentos, profissionais e também falta humanidade na saúde pública.
Muitos médicos que trabalham no SUS não olham o paciente como uma pessoa, é só um prontuário que precisa ser preenchido. Raros são os profissionais que prestam atenção no que o doente está relatando numa consulta; raros são os médicos que explicam ao doente o seu diagnóstico; raros são aqueles que olham seus pacientes com a devida atenção. Há um desinteresse, quase generalizado, em se comunicar com o paciente que já começa com a prescrição da receita com a famosa letra ilegível.
Em suas campanhas de marketing para atrair novos clientes, as faculdades privadas de Medicina sempre salientam suas instalações e laboratórios modernos, métodos de ensino baseados na prática, entre outros, mas o que essas instituições não ensinam é empatia, respeito pelo sofrimento alheio.
Diariamente, vemos exemplos na mídia de pessoas que morrem por negligência médica. Gente pobre que agoniza na sala de espera de emergências enquanto os plantonistas navegam na internet. É claro que existem exceções, profissionais realmente comprometidos com seu nobre ofício, mas infelizmente estes são minorias.
Quando o governo Dilma lançou o Mais Médicos e anunciou a contratação dos médicos cubanos, entidades que representam os médicos brasileiros protestaram alegando que os estrangeiros iam tirar o mercado de trabalho dos brasileiros, as mesmas entidades corporativistas que se omitem diante dos casos de erros ou negligência no atendimento público. Para essas instituições é só uma questão de mercado. Números, nada mais. Ao passo que a questão é bem mais ampla do que isso.
Quando se trata de atendimento médico, a qualidade é essencial, faz a diferença entre a vida e a morte. Não adianta ocupar um espaço só para preencher um formulário, bater o ponto, atender um paciente em 5 a 10 minutos, prescrever uma receita sem se preocupar em ver o histórico ou com as condições de vida do doente. É preciso disposição para se integrar em lugares simples, conhecer seus moradores, se importar com eles, fazer medicina com humanidade e com amor. Quero ver os patriotas que vão se habilitar.
* A autora é jornalista, roteirista, escritora, pesquisadora do Instituto Ipsos e articulista exclusiva do Jornal Correio9
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