Eliana Maria Lemos
Estudos recentes demonstram que o público brasileiro está perdendo um dos seus hábitos mais antigos: está deixando de assistir a novelas diariamente para ver séries em plataformas digitais, como Netflix ou Globo Play. Confesso que faço parte desta estatística. Já não tenho mais paciência para acompanhar, durante meses, as mesmas histórias, contadas com nomes e cenários diferentes.
Durante as últimas décadas, desde a era do rádio, que ‘era de lei’ – em praticamente todas as casas tupiniquins – o costume de se reunir na sala para acompanhar as peripécias da mocinha das seis, das sete e das nove. O sucesso sempre foi tão garantido, que o Brasil passou a exportar o gênero para o mundo inteiro. A novela virou o principal produto cultural brasileiro, e o mais lucrativo também. O merchandising inserido nas histórias rendem às emissoras milhões de dólares, mensalmente. Não dá para desmerecer a importância da indústria novelesca, e nesse quesito, a TV Globo é quem dita as regras do mercado.
O problema é que o gênero virou uma fórmula que se repete história após história, com os mesmos clichês. Deixou de ser um produto criativo e se transformou em algo puramente comercial.
Por outro lado, as séries têm um frescor, algo que surpreende o público. O roteirista sempre está inserindo novos personagens, novas histórias e os conflitos são resolvidos em no máximo três episódios.
Acredito que um dos motivos do desgaste das novelas é por falta de renovação dos autores. Até pela questão comercial – do tanto de dinheiro envolvido numa produção – as empresas não se arriscam com novos nomes. No caso da Globo, especificamente, é impossível entrar para o seleto grupo de novelistas da casa sem ser pela Oficina de Autores da emissora. E para entrar lá, só com indicação dos próprios figurões da dramaturgia global. É um processo lento e muito caro para escritores pobres (rsrsrsrs…)
Para quem vive no eixo Rio de Janeiro/São Paulo, às vezes ‘pinta’ uma oportunidade de tentar uma aproximação com autores globais por meio de cursos de roteiros que alguns promovem. Mas não é fácil, geralmente o custo é muito alto, as lições são básicas, não vão além do que os bons livros de roteiro ensinam, e o aspirante a escritor acaba pagando mesmo é para ter o nome famoso num certificado e pela ilusão de cair nas graças dele e quem sabe conseguir a desejada indicação.
No topo da pirâmide dos autores globais, aquele grupo que é escalado para escrever a história das 21horas, Agnaldo Silva promoveu em 2009 uma master class para ensinar seu ofício para uma meia dúzia de pessoas.
Disse à época que queria passar “de graça” sua experiência por entender a importância de dar a oportunidade para novos talentos. De fato, na primeira edição foi assim, depois, ele condicionou a participação no processo de seleção à compra de um DVD que gravou sobre a arte de escrever novelas, e por fim estava cobrando de quem quisesse ouvir seus ensinamentos. Os mais céticos acreditam que os motivos do escritor não são tão nobres, e devem ter um pouco de razão, já que algumas de suas novelas mais recentes foram baseadas em sinopses escritas com os alunos da master class.
Inclusive o Sétimo Guardião, no ar atualmente. Silva, que em entrevistas admitiu ser quase ‘um vampiro’ por sugar boas ideias dos outros, foi processado por alguns alunos e obrigado pela justiça a dar o crédito a eles pela criação da história dos moradores de Serro Azul e de sua fonte milagrosa.
O que não adiantou muito, por que enquanto seu nome está na abertura da trama, os dos alunos foram inseridos em letras miúdas no fechamento do capítulo, só mesmo para cumprir a ordem judicial.
Bem, num país com tanta gente talentosa, sem oportunidade, quem perde é o público que está à mercê das mesmas cabeças privilegiadas.
Quem sabe agora, que aprendeu a desligar a TV , as emissoras não revejam essa política.
* A autora é jornalista, roteirista, escritora, pesquisadora do Instituto Ipsos e articulista exclusiva do Jornal Correio9.
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