Eliana Maria Lemos
O maior desafio de um artista, depois de criar uma grande obra, é repetir o sucesso. Superar as expectativas do público depois de um campeão de vendagem ou audiência passa a ser uma obsessão e até um pesadelo. Muitos morrem tentando. É o caso do Michael Jackson, após se tornar uma lenda quando lançou Thriller – até hoje o disco mais vendido da indústria fonográfica – nunca mais conseguiu o feito em seus discos posteriores. Por mais perfeccionista que ele fosse!
O autor João Manuel Carneiro tem enfrentado esse desafio desde que escreveu a novela “Avenida Brasil”, exibida pela Rede Globo de março a outubro de 2012, o folhetim virou um fenômeno de audiência no Brasil e em vários outros países mundo a fora. A trama bem amarrada da vingança de Rita/Nina contra a madrasta Carminha que a abandonou num lixão, virou o calcanhar de Aquiles do escritor, que está em sua segunda tentativa – sem sucesso – de repetir a fórmula vitoriosa.
A primeira foi “A Regra Do Jogo”, em 2015, e baseava a trama na dualidade do protagonista Romero Rômulo, um ex-vereador do Rio de Janeiro que tinha a imagem do bom moço, mas na verdade era um bandido, membro de uma facção criminosa. Não agradou ao público como o autor e a direção da emissora esperavam. Não foi um fiasco, mas passou longe da audiência de Avenida Brasil.
“Segundo Sol”, que está no ar atualmente no horário das 21 horas, tá seguindo o mesmo caminho e a tendência é terminar com uma audiência pior que “A Regra do Jogo”. A trama fraca do cantor de axé Beto Falcão, autor de um único hit de sucesso que amarga o fracasso na carreira e volta a ser sucesso ao ser dado como morto, não prende o telespectador em tempos de Netflix com suas séries americanas e outras plataformas de entretenimento.
É difícil de acreditar que após criar uma mocinha tão interessante como a Nina, Carneiro tenha feito uma Luzia (Giovanna Antonelli) tão fraca, tão burra! Até que no começo da história, quando vivia isolada numa pequena vila de pescadores criando os filhos, dava pra engolir que a moça possa ter caído nas armações de Laureta e cia. Mas após ser presa, acusada de matar o marido, perder os filhos, quase ser assassinada na prisão, ser obrigada a fugir do País; não dá para acreditar que Luzia não tenha aprendido nada!
Ao lançar mão essa semana do mesmo plot point (Ponto de Virada é um obstáculo ou incidente que muda o rumo ou a direção da história) do começo da história, para movimentar a trama (a armação dos vilãos para acusá-la de assassinato) o autor fez o público perder a paciência com ela. Como assim Luzia vai cair no mesmo golpe? Então em toda a sua trajetória de fugitiva a Dj famosa na Europa ela não aprendeu nada? O grande acerto de Carneiro ao criar a Nina é que ela era muito esperta e se antecipava às armações da Carminha. Ela era inteligente, diferente da Luzia.
Uma das marcas registradas – do João Manoel Carneiro – é a criação de histórias com poucos personagens, poucos núcleos. Em suas tramas anteriores esse fator não atrapalhou, mas, em Segundo Sol esse é outro aspecto que coloca em risco o sucesso da novela. Tá repetitivo demais! Os personagens não evoluem, ficam sempre na mesmice. Veja o caso do Roberval (Fabrício Boliveira) e a sua sede de vingança contra o pai que o rejeitou. Já encheu!
Outro pecado do autor foi com o desvio de conduta da garota de programa Rosa. A personagem cresceu na história graças à interpretação da atriz Letícia Colin e chegou a ofuscar a protagonista Luzia. Ela era do bem, íntegra em suas convicções e muito esperta. Enfrentava a Laureta (Adriana Esteves) e a Karola (Débora Seco) de igual pra igual. Ao invés de transformá-la numa heroína, o autor optou por fazer dela uma mulher ambiciosa que se deixa comprar pelas vilãs e depois fica com drama de consciência. Em resumo, perdeu a graça, pelo menos para mim!
O próprio Beto Falcão tem tido seus tropeços. De homem apaixonado capaz de enfrentar um tribunal para confessar que estava vivo para salvar Luzia da cadeia, mesmo sabendo da canalhice do irmão Remy – capaz de chantagear o próprio pai – em nenhum momento após flagrar a amada ao lado do corpo do irmão, ele pensa que pode ser uma armação. É o primeiro a acusá-la perante a família.
E a confiança que ele tinha nela? Ele deveria conhecer a mulher o suficiente pra saber que ela era inocente. Enfim, a história está deixando a desejar, não passa nem perto de Avenida Brasil e João Manoel Carneiro sabe disso muito bem.
* A autora é jornalista, roteirista, escritora, pesquisadora do Instituto Ipsos e articulista exclusiva do Jornal Correio9
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