Elias de Lemos (Correio9)
Durante a campanha eleitoral, o governador, Renato Casagrande (PSB) criticou, duramente, o modelo de ajuste fiscal executado pelo governo Paulo Hartung. Quando encerrou seu primeiro mandato à frente do governo estadual, em 2014, Casagrande entregou, a Hartung, o Estado com nota A do Tesouro Nacional; do mesmo modo, como o recebeu de volta, agora, em 2019. Mas, para o governador, “isso não é suficiente para a população”. O ajuste, dos últimos quatro anos, penalizou investimentos em infraestrutura e arrochou os salários dos servidores. No entanto, a crítica ao modelo do ajuste é que, para Casagrande, serviços de Saúde, Segurança e Educação não podem ter o mesmo tratamento que têm outros serviços não prioritários.
Logo no segundo dia do seu governo, ele anunciou a suspensão de convênios com prefeituras, de concursos públicos e cortes de gastos.
Casagrande anunciou, também, cortes nos gastos de manutenção da máquina pública, na contratação de servidores temporários e suspendeu a abertura e a realização de novos concursos públicos. Porém, o concurso da Polícia Civil foi mantido.
Todas as medidas contingenciais estão no decreto governamental – válido por 120 dias – publicado no dia 2 de janeiro em edição extra do Diário Oficial do Estado. Mas as medidas de contingenciamento vão além. Estão suspensos, ainda, a realização de eventos com buffet, coffee break, iluminação e outros equipamentos de palcos e palanques, além de demais despesas afins, bem como a restrição do uso de celulares funcionais: os novos secretários de Estado vão ter que usar seus telefones pessoais para trabalhar.
Por fim, além do pagamento de diárias, suspendeu a participação de servidores em cursos, congressos, seminários e outros eventos do gênero dentro e fora do estado.
No entanto, os desafios do Palácio Anchieta vão além do corte de gastos. Pelo menos cinco grandes problemas desafiam o novo governo: 1) Superlotação do sistema prisional; 2) Superlotação das unidades socioeducativas; 3) O sucateamento da segurança pública estadual; 4) A consolidação do sistema de saúde; e 5) A relação com o Governo Federal.
A Lei da Anistia aos policiais militares que participaram da greve de 2017 no Estado, sancionada pelo governador Casagrande na tarde do dia 16 de janeiro, gerou controvérsias.
A anistia foi uma promessa de campanha do governador. O projeto de lei, de autoria do governo, foi enviado à Ales na tarde de terça-feira (15), votado na manhã do dia seguinte e sancionado na tarde do mesmo dia.
A Lei da Anistia põe fim a investigações, processos e punições a militares suspeitos de participação na greve da Polícia Militar, ocorrida de 1º a 28 de fevereiro de 2017.
Ao sancionar a Lei, o governador disse que a “tropa está doente”. Porém, mais do que isso, a tropa está cabisbaixa, desvalorizada e com péssimas condições de trabalho. A Anistia é necessária para iniciar o diálogo e mostrar o respeito do Governo com a corporação.
E não são apenas os salários – com o corte de gastos – foram impostas cotas de combustível para as viaturas policiais, e de uso de munição por parte da polícia; os equipamentos de trabalho foram sucateando, e as condições de vida dos policiais e de suas famílias foram se deteriorando nos últimos anos.
Há mais de cinco anos não se realiza concurso para a PM capixaba, levando à redução do contingente. Além disso, o número de ingressos têm sido inferior ao número de baixas, agravado por pedidos de aposentadoria superiores ao número de novos policiais. E, para inflar ainda mais a situação, o prazo de duração dos cursos de formação, de novos policiais, foi ampliado de seis para 18 meses.
Em 2014, a Polícia Militar contava com 10 mil policiais e a Polícia Civil com 3.300. Em 2019 o efetivo da PM caiu para 8 mil e da PC para 2.200. Não será um desafio fácil de resolver.
O encolhimento sofrido pela Polícia Militar, nos últimos anos, está na raiz dos três primeiros desafios: 1) Superlotação do sistema prisional; 2) Superlotação das unidades socioeducativas; e 3) O sucateamento da segurança pública estadual.
Nos últimos anos, as abordagens policiais em ruas e coletivos da Grande Vitória se tornaram comuns. No entanto, tanto na capital, quanto no interior do Estado, o policiamento preventivo foi “extinto”, permitindo a proliferação da criminalidade, e, por consequência, a superlotação dos presídios e dos Centros Socioeducativos.
Segundo dados da Secretaria de Justiça e Cidadania, atualmente, o sistema prisional capixaba possui quase 9 mil presos além da capacidade. O Estado possui 13.863 vagas, mas, conta com 22.541 pessoas presas. Segundo o próprio Casagrande, o Espírito Santo é o Estado que mais encarcera no País.
Mas, paradoxalmente, o encarceramento em massa apresenta o fracasso da política de segurança pública dos últimos anos.
Vencer o caos criado na área da Segurança, talvez seja o grande desafio do governador. Não bastará a Anistia, será preciso mais: 1º) o entendimento sobre a questão salarial; 2º) a recomposição da tropa; e 3º) o reaparelhamento da polícia.
Mas, ao levar adiante a proposta de anistiar, Casagrande demonstrou algo que não vinha acontecendo: está aberto ao diálogo com setores da sociedade, especialmente os mais afetados. Além disso, significa o reconhecimento dos problemas enfrentados pelas polícias Civil e Militar capixabas.
Já na área da saúde, há uma diferença substancial, uma vez que já existe um projeto em curso: a Rede Cuidar, que promete um sistema integrado de saúde preventiva e de resolução de alta complexidade em todo o Estado. Estão previstas cinco unidades, sendo que duas já foram inauguradas, em Nova Venécia e Linhares. Soma-se a isso, o déficit de vagas nos hospitais da rede estadual. Mas, para isso, ele vai depender de dinheiro e aí, entra o quinto desafio.
Casagrande é do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que já declarou oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PSL). Bolsonaro, também, deixou claro que não quer “conversa” com a oposição.
Neste sentido, o governador capixaba já disse que terá uma relação institucional com o Governo federal.
É importante lembrar, ainda, que Bolsonaro terá que formar uma base para governar e, para reunir o apoio necessário, ele terá que negociar e fazer concessões.
Ademais, no Espírito Santo, o presidente Jair Bolsonaro teve 63,06% dos votos válidos; enquanto Fernando Haddad (PT) teve 36,94%. O presidente venceu as eleições em 64 dos 78 municípios do estado. Isso representa 82,05% do total de municípios capixabas. Fernando Haddad, do PT, venceu, em, apenas, 14 municípios do Espírito Santo.
Casagrande é um homem de diálogo, que sabe ouvir e responder, mesmo que a demanda do interlocutor não possa ser atendida. Esta tem sido a sua principal característica ao longo da sua jornada política. Ele já foi recebido em Brasília, pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, a quem apresentou problemas do sistema prisional do Espírito Santo.
O governador capixaba tem a real consciência dos problemas que tem pela frente, mas, tem, também, o equilíbrio e a capacidade de dialogar com todos os setores, conduzindo-os para a paz e o entendimento sem radicalismo.
Não é a falta de dinheiro que impede as soluções dos problemas do Estado, mas sim a frieza, a falta de diálogo, a falta de atenção e a indiferença.
Até aqui, Casagrande não é um político de silêncio; não é de monólogo; é de diálogo. E enquanto haver diálogo, haverá ordem.
* O autor é economista, professor, jornalista e editor-chefe do Jornal Correio9
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