Elias de Lemos (Correio9)
No próximo dia 10 de abril o presidente Jair Bolsonaro (PSL) vai completar cem dias de mandato. No entanto, até agora, nenhuma ação de vulto foi adotada e o governo ainda não mostrou sua cara. A falta de diálogo e o improviso têm sido as marcas principais do presidente e de sua equipe. As dificuldades na articulação política do governo se refletem no número de proposições, de iniciativa do Palácio do Planalto, aprovadas pelo Congresso nos quase cem dias de mandato: zero. Todos os 16 projetos ou medidas provisórias apresentadas pelo Executivo tramitam em ritmo lento, quase parando, na Câmara dos Deputados.
Neste sentido, sem base aliada e com dificuldades para aprovar projetos, o presidente começou a abandonar o discurso contra o troca-troca, entre Governo e Congresso, e se rendeu ao que ele chama de “velha política”. Nesta quinta-feira, 4, ele se reuniu com dirigentes de 11 partidos e os convidou para integrar a base de sustentação do governo no Congresso. A intenção do presidente era de governar com uma aliança formada por frentes parlamentares. Porém, a estratégia não deu certo e ele passou a enfrentar uma crise política atrás da outra, com sucessivas derrotas na Câmara.
No vazio da articulação política, o grupo do chamado Centrão se reorganizou mostrando força. O bloco partidário é formado por siglas como DEM, PP, PR, PRB, PSD e Solidariedade. O grupo tem como aliado constante o MDB e, em algumas situações, até o PSDB.
O presidente nega que vai haver negociação e troca-troca. Porém, na quarta-feira, 3, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que, se o convite do Planalto for aceito, a coalizão terá, como contrapartida, cargos no governo. Em outras palavras, o discurso de que não haveria toma-lá-dá-cá não existe mais.
Em entrevista à imprensa, Mourão declarou que: “A partir do momento em que os partidos concordarem com o que o governo pretende fazer, é óbvio que eles vão ter algum tipo de participação, seja em cargos nos Estados, algum ministério ou algo do gênero. O que eu vejo, de maneira geral, é isso aí. Número um: ter clareza e mostrar aos partidos quais são os nossos objetivos. Se vocês concordam, gostaríamos que vocês estivessem juntos com a gente nas votações referentes a isso. E, no segundo passo, o presidente pode decidir oferecer algum tipo de cargo nos Estados ou até aqui, na área central do governo”.
As pautas vão desde a proposta de emenda à Constituição (PEC) que modifica as regras das aposentadoria no País – que só ganhou relator duas semanas após chegar à Casa – à Medida Provisória (MP) 870, que modifica a estrutura dos ministérios e já recebeu 539 emendas. O texto, que prevê, por exemplo, a extinção da pasta do Trabalho, chegou no dia 2 de janeiro e não tem sequer relator.
Os deputados federais já impuseram duas derrotas importantes ao Palácio do Planalto; primeiro ao rejeitarem o decreto que ampliava número de servidores aptos a classificar documentos como sigilosos e, depois, ao instituírem o “Orçamento Impositivo”, que engessou a gestão das contas.
A iniciativa foi vista como retaliação dos deputados por não conseguirem indicar nomes para cargos no primeiro e segundo escalões e pelos ataques de Bolsonaro ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em sua defesa, o presidente diz que não vai negociar com base no que ele chama de “velha política”.
Apontado como um dos responsáveis pela fragilidade da articulação, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tentou nesta quarta-feira, 3, se aproximar de seus antigos colegas e almoçou na casa do deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), que, em fevereiro, disputou e perdeu a eleição para a presidência da Câmara. “Para que nós tenhamos uma base constituída, precisamos dialogar, convidar e abrir a porta”, observou Onyx. Apesar de concordar com Mourão, o ministro disse que as negociações nada têm a ver com “toma-lá-dá-cá”.
O presidente teve encontros separados, nesta quinta, com os presidentes do DEM, PSDB, MDB, PP, PSD e PRB. O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que comanda o PSDB, também se reuniu com o presidente e saiu dizendo que não tem troca e descartou a participação do seu partido no governo. As rodadas de conversa ocorrerão em duas etapas: nas próximas terça e quarta-feira, Bolsonaro receberá dirigentes do PSL, PR, PROS, Podemos e Solidariedade. Até agora, apenas o seu partido, o PSL, integra a base do governo no Congresso.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não participará dessas reuniões. Irritado com as críticas recebidas do grupo de Bolsonaro nas redes, Maia protagonizou, nos últimos dias, uma troca de farpas com ele e chegou a afirmar que “o governo é um deserto de ideias” e pediu que Bolsonaro deixasse as redes sociais para cuidar da gestão. Dias depois, disse que o capitão estava “brincando de presidir o País”.
No meio do fogo cruzado entre os dois, entraram em cena “bombeiros” para jogar água na fogueira. Mesmo assim, Maia e Bolsonaro não se falaram e os dirigentes de partidos estão céticos em relação à possibilidade de uma sólida aliança com o governo.
O partido de Rodrigo Maia controla três ministérios (Casa Civil, Saúde e Agricultura), mas, por enquanto, não pretende formalizar sua entrada na coalizão. “Primeiro, precisamos entender que tipo de base o presidente pretende ter e se vai haver apoiamento” (sic), afirmou ACM Neto (DEM), que é prefeito de Salvador.
O ambiente político está conturbado, em parte, por causa de declarações polêmicas feitas pelo presidente, cujo discurso de enfrentamento tem se mostrado negativo.
Bolsonaro sempre soube que é nessa relação de negociatas entre governo e Congresso onde se encontra a raiz da corrupção. Agora é a prova dos nove. Resta saber se ele vai ceder ao jogo ou se terá a coragem necessária para denunciar propostas indecentes. Quem viver verá.
* O autor é economista, professor, jornalista e editor-chefe do Jornal Correio9
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