Elias de Lemos (Correio9)
A explicação da realidade econômica, pelos economistas, se apoia, em grande parte, na precisão de cálculos matemáticos e estatísticos. A economia é uma área que se utiliza das ciências exatas para criar formas de descobrir e explicar a dinâmica econômica, mas a economia, em si, não pode ser considerada um campo de estudo exato. O movimento econômico é resultado de múltiplas decisões formadas por cada pessoa no cotidiano comum, as quais têm razões diversas e se modificam pelos motivos mais variados possíveis: as vontades humanas; a renda que recebem; a variação da renda; e até questões climáticas, entre tantas outras coisas, influenciam na economia. Isso indica que o movimento da economia recebe a interferência de fatores extraeconômicos, e que a vida econômica vai além da análise numérica. Desse modo a análise econômica depende de abstrações pouco palpáveis.
Existe, também, a crença de que o curso econômico obedece a leis naturais e constantes, mas isso não passa de um engano, entre os tantos que fazem parte das explicações dos economistas. As crises econômicas ocorridas no século XX deixaram isso claro. Somando-se a elas a crise econômica que vem se desenrolando nos últimos oito anos, a compreensão do quadro econômico se torna ainda mais nebulosa.
O sistema econômico se constitui de relações. Num primeiro momento existem as pessoas, que são as detentoras, proprietárias dos recursos. Para simplificar, podemos usar a palavra “ganância”, para explicar os motivos que movem as pessoas no sentido de ganhar mais. Desse movimento surgem as firmas. E com elas, nasce a primeira relação econômica: a relação entre capital e trabalho. A explicação em economês diz que: onde existe demanda, a oferta se faz. Em outras palavras, sempre que aparecer demanda, ou seja, alguém procurando, querendo comprar alguma coisa, vai aparecer alguém para vender. Não importa o que for procurado: alimento, arma, droga, sexo, tratamento de beleza, seja o que for. Desse modo se estabelece a segunda relação, agora a de mercado, entre firmas e seus demandantes.
A questão mais importante nestas duas relações é quanto aos fatores que as movimentam. Enquanto o capital se movimenta em direção ao lucro, o mercado se desloca de acordo com o preço. A movimentação do lucro, por um lado e a dos preços, por outro são dois tormentos para a gestão econômica. Primeiro, porque existem duas fontes de lucro: pelo investimento na produção de algum bem ou serviço, ou pelo empréstimo em troca de juros. Isso quer dizer que a taxa de juros exerce forte influência sobre as decisões entre investir ou não.
Sendo a taxa de juros, tão importante, a pergunta é: o que faz os juros? De onde eles surgem? Por que eles não são extintos? Em economês, a resposta é: os juros existem porque há agentes superavitários e deficitários dentro do sistema econômico, mas em português a explicação é: porque têm pessoas com as contas no azul, mas também existem as que vivem com o orçamento no vermelho. Ora, quem gasta mais do que tem, precisa rolar essa parte de alguma forma: por empréstimos, renovação de dívida, parcelamentos e por aí vai. O sistema financeiro surge para atender a esta necessidade: a intermediação entre quem poupa e quem não consegue poupar. Quanto maior a quantidade de pessoas procurando empréstimos, financiamentos, maior será a taxa de juros. A taxa de juros vai subindo e essa subida desloca boa parte do dinheiro da produção para o ganho mais fácil.
Com a taxa de juros em alta, os custos dos financiamentos das empresas se tornam maiores e os investimentos vão sendo desestimulados. A queda dos níveis de investimento, por sua vez, afeta o mercado de forma generalizada. Primeiro porque as empresas passam a contratar menos, porque a produção está em queda, ou sem aumentar, e isso derruba o emprego. Com o emprego, cai a geração de renda e com ela o consumo das pessoas. Quando a demanda (consumo) cai, as vendas acompanham a queda que levam junto, o lucro das empresas. A isso os economistas denominam “queda da atividade econômica”, até um ponto e “recessão” a partir de outro ponto.
Por outro lado, taxas de juros baixas reduzem os lucros dos empréstimos, e podem induzir os donos do dinheiro para ganhar mais no setor produtivo. Isso aumenta o emprego, a renda, o consumo, enfim a economia gira e cresce. Quando isso acontece, ou melhor, na medida em que a economia cresce ao longo do tempo, normalmente ocorre um fenômeno chamado aumento de confiança, por parte de todos que fazem parte do sistema.
Essa confiança proporciona, às pessoas, a possibilidade de planejarem seus gastos presentes e futuros. Aí, entra a questão do crédito, porque quando as pessoas se sentem seguras em seus empregos, quando conseguem manter seus níveis de renda, elas se arriscam mais no consumo presente para pagamento futuro.
Enquanto esta segurança é mantida, a economia caminha, o problema é que chega a um ponto em que a segurança é substituída pela euforia, porque a tendência comum das pessoas é a de acreditar que a maré favorável não vai passar. Neste ponto, com a demanda em alta, a inflação começa a pressionar. É a hora de colocar o pé no freio.
* O autor é economista, professor e editor-chefe do Jornal Correio9.
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